quinta-feira, junho 29, 2006

Erc!


O Diário de Notícias de hoje (29/06) traz uma página chocante, a nº 29.

Segundo o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) o desempenho das emissoras televisivas Sic e Tvi é definido como “pouco satisfatório”.
Mas calma, não se assustem, pois Floribella não vai desaparecer do ecrã: as licenças foram renovadas até 2022.

Então, que se passou? Simplesmente alguém (a ERC) acordou e reparou que as ditas televisões privadas são quanto de pior seja possível encontrar durante um zapping, se não contamos com o canal com o logo da Netcabo.

Mas vamos ler alguns passos deste valioso documento.
A ERC frisa a falta de informação na Sic e a concentração no horário nobre, de segunda a sexta-feira, dos géneros comédia nacional e novelas brasileiras, “com prejuízo da diversidade de géneros nesse horário”. Na Tvi a programação cultural é “praticamente inexistente”.

O que me faz perguntar: qual seria, nas intenções da ERC, a programação cultural da Sic? “Fátima Lopes” (que, segundo o mesmo diário, traz a lume realidades dramáticas, isso é, o seu programa)? “Laços de Família”? “Está na Sic o Mundial”? “New Wave”? “Floribella”? “Sinhá Moça”? “Belíssima”?

Bonita também a expressão utilizada para definir a falta de cultura na Tvi. O advérbio ”praticamente” subentende que algo de cultural afinal há: e seria bom que a ERC dissesse onde também. No “Você na Tv”? No “Anjo selvagem”? No “Quem quer ganha”? No “Morangos com açúcar – Férias de Verão”? No “Tempo de viver”? No “Dei-te quase tudo”? No “Fala-me de amor”? Ah, não, está certo, afinal encontrei a cultura: “Por uma noite”, peça teatral que começa as 00.15.

Se a ERC tivesse um pouco de coragem diria de forma clara que as duas emissoras são uma vergonha e nada mais.

Erro: há algo para acrescentar.
Se a ERC fosse uma coisa séria diria também que a principal culpada é a RTP, o verdadeiro serviço público. Se existisse uma livre escolha por parte do telespectador, mais ousadia da RTP, mais vontade de acabar com os programas para atrasados mentais, talvez as coisas mudassem. Mas quando na grelha da RTP 1 aparecem “Praça da alegria”, “Essas mulheres”, “Portugal no coração”; quando para ver um filme da mesma emissora é preciso esperar até 01.30 (que chamam “Sessão da meia-noite”!); quando a RTP 2 é simplesmente deixada em estado de hibernação; quando tudo isto acontece, então as emissoras privadas não têm problemas em oferecer uma grelha para diminuir o QI dos cerebrinhos portugueses.

Acrescento

Só um pequeno acrescento ao post de ontem.

Diário de Notícias de hoje (29/06), pagina 25:
“O turismo da república Checa está a propor uma Rota da Cerveja, com duração de quatro dias e um percurso de 570 km, com início em Praga. A rota leva os visitantes aos locais de origem de diversas cervejas famosas […].”
Meditem pessoal, meditem…

quarta-feira, junho 28, 2006

Turistas ignorantes


Começamos com uma critica e acabamos com uma sugestão.

A crítica.

Já foram a Óbidos? Eu tive a sorte de lá ter sido conduzido pela minha namorada. “Vamos a Óbidos, vais ver que gostas!”

Gostei? Claro que gostei. Óbidos é uma pequena jóia e depois da primeira vez voltei porque acho ser um óptimo exemplo de aldeia muito bem conservada, cuidada, com todas as características para atrair turistas.

Esta é a critica? Não, a critica é a seguinte.

Passados alguns tempos fui a Monsaraz, no Alentejo.

Gostei? Gostei mais do que de Óbidos. Porque, além da estrutura castelo-aldeia-cerca de muralha, até é mais rústica, mais verdadeira (sem nada contra Óbidos, seja dito). E agora, com o lago como moldura, ficou ainda mais encantadora.

Qual a diferença entre a primeira localidade e a segunda?

É simples: Óbidos está sempre cheia de turistas, em Monsaraz não está ninguém.

A seguir: quantas Monsaraz existem neste País? Quantas potenciais “jóias” inexploradas?

Na televisão é possível ver o spot que convida para que os Portugueses conheçam Portugal. Acho muito bem. Mas não seria bom, também, ter a mesma atitude no que diz respeito aos estrangeiros? Ao longo de toda a minha vida passada fora da terra Lusa nunca vi spot ou cartaz nenhum que explicasse o que um turista pode encontrar em Portugal. Mas lembro, por exemplo, da publicidade de Espanha nos meios públicos.
Para mim, como para milhões de estrangeiros, Portugal é a terra do Fado, do Figo, do Algarve e de Lisboa. Ponto final. Pouco, em alguns casos, para convencer um potencial turista a deslocar-se até este cantinho à beira do Oceano…

E isto é muito esquisito para um País que aposta fortemente no turismo.
No resto da Europa há pessoas que não são interessadas só nas praias do Algarve ou numa tasca onde se toca música triste. E que não sabem que Portugal pode oferecer muito mais do que isto.

Porque não fazer algo mais?

A sugestão.

Num antecedente post falei acerca da minha aventura para encontrar uma anta. Não acaso falei deste tipo de achado arqueológico, pois em Portugal há muitos destes monumentos que, simplesmente, “estão ali”. Ninguém os visita: os estrangeiros não sabem que existem, os portugueses também.

Porque, então, não começar a difundir na Europa que Portugal é também uma terra cheia de história? E uma historia que nos conta acerca dos albores da civilização (as antas), da época romana (Conímbriga, por exemplo), medieval, renascentista… Enfim: Um percurso histórico completo, como sempre desconhecido.
Um potencial totalmente inexplorado. Totalmente e inexplicavelmente.

Porque não oferecer percursos temáticos? Por exemplo: pacotes com visitas guiadas nas principais concentrações de monumentos do Paleolítico. Ou excursões com paragem nos sítios onde o estilo manuelino é melhor representado.

E além da história há mais: O Norte, por exemplo, com Porto (por acaso, a minha favorita em Portugal!), os passeios de barcos ao longo do Douro e a Serra do Gerês.

São, como sempre, poucos exemplos entre os muitos que seria possível fazer. Porque Portugal não é (para boa sorte) só praia e Lisboa.




terça-feira, junho 20, 2006

Tem lume?


Este País não é de confiança. Definitivamente.

Uma pessoa espera ao longo de tantos meses e quando finalmente chega a tão desejada “Época dos Incêndios” nada. Sim, houve qualquer coisa durante a semana passada; mas era pouca coisa, um foguinho, não um incêndio a sério.
Onde estão as florestas em chamas, as casa destruídas, as pessoas que choram? Ah, aqueles eram bons tempos. Cada noite era só ligar a televisão para ter um relatório completo acerca dos prejuízos do dia.

Este ano, como dito, nada.
E a coisa esquisita é que ninguém parece reparar nisso. Em vez que perguntar-nos como é que meio País não está a arder, fala-se de futebol. Parece quase que um Portugal sem incêndios seja uma coisa normal.

Os números da Direcção Geral dos Recursos Florestais (http://www.dgrf.min-agricultura.pt/ “Incêndios Florestais 2006 Relatório provisório”) são claros:
em 2006 entre 1 de Janeiro e 31 de Maio houve um total de 783 miseráveis incêndios florestais, enquanto no mesmo período de 2005 os incêndios chegaram a 2.193. Uma queda de quase 60%!
E a área ardida? 4.438ha em 2006, quase o dobro em 2005: 8.787ha. Uma tristeza…

E mesmo é pena pois este ano foi declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação ( http://panda.igeo.pt/ ). Como os incêndios favorecem este último processo, seria lógico participar nesta iniciativa com dedicação, tanto para não fazer uma figura feia frente a outros países. Desde 1991 Portugal é o país com o maior número de incêndios dos 5 no Sul da Europa: mesmo neste ano vamos perder o primeiro lugar?

Onde estão os pirómanos? Gastam o tempo em frente dum ecrã para assistir às proezas de Ronaldo?
E os outros alegados suspeitos: as empresas de aluguer de helicópteros para o combate ao fogo, as que fornecem material anti-incêndio, as de construção civil…como pensam sobreviver neste ano desgraçado? Porque nada fazem?

E os meios de comunicação?
As televisões, por exemplo. Não explicam o que se passa e a atitude não é séria: gozam os bons momentos, deslocam enviados até a lamber as chamas, fazem zoom sobre a cara da velhota em lágrimas, produzem especiais...mas quando os incêndios não deflagram é o silêncio absoluto. Isto não é correcto, pois um cidadão tem o direito de saber o que se passa.

Todos os anos os governos prometiam medidas extraordinárias para enfrentar os fogos do ano seguinte; e pontualmente havia incêndios. Algo falhou neste 2006?

Já sei, já sei. É só esperar. Acabado o mundial os incêndios voltarão. Alguém irá desculpar-se, explicando que a primavera foi demasiado húmida (esquecendo da seca que ao longo do Outono e do Inverno atingiu o País. Lembram-se? “As barragens são vazias, vamos ter falta de água!”). Depois, devagarinho, um fogo aqui, um incêndio ali…e tudo voltará à normalidade.

Mas se é assim gostaria que alguém me tivesse avisado!

segunda-feira, junho 19, 2006

A longa espera


A semana passada ocorreu o quarto aniversário da minha chegada em Portugal ou, como costumo dizer, do início do exílio…

Logo após a minha chegada comecei a ouvi falar de “sebastianismo”; não fazendo a mínima ideia do que isso pudesse significar, decidi informar-me.
Descobri que o termo é inerente a uma personagem histórica, Dom Sebastião, rei de Portugal desde 16 de Junho de 1557 até 4 de Agosto de 1578.

Esta figura é assim radicada na alma lusitana que, tal como dito, até foi inventado um termo que muitos comentadores desempoam ao aproximar-se de novas eleições.

Não só: na véspera das últimas presidenciais, uma minha conhecida apelou ao Cavaco Silva como ao novo D. Sebastião. Porque de facto é assim: os portugueses parecem estar ainda a espera dum novo “Desejado”.

O facto que este fosse uma pessoa doente, tanto no físico como no cérebro, discreto administrador do reinado mas nada mais, que contraiu dívidas enormes para conduzir a creme do exército numa catastrófica derrota, bom, tudo isso não conta: um dia D. Sebastião surgirá das brumas, reclamará o seu trono e…bah, espero que não volte com estranhas ideias acerca do Norte África.

Acho que, neste aspecto, Portugal é um País único: pelo menos, não conheço nenhum povo cujo herói seja o culpado pela pior derrota sofrida ao longo da própria história, facto tão grave que até abriu as portas à ocupação estrangeira.

Pode-se objectar que D. Sebastião nunca foi escolhido oficialmente como figura para representar o País (a propósito: quem é o herói nacional? Figo? O galo de Barcelos?). O que é verdade; mas, como visto, foi aos menos o único que mereceu o nascimento de uma “filosofia” a ele relacionada. O que não deixa de ser esquisito.

Numa altura na qual o País parece ser abalado pela situação económica como pela profunda vala que separa os quadros políticos dos cidadãos, acho que não seria mal recuperar algumas das muitas coisas boas que a história portuguesa oferece.

Não é um viver do passado, nem chorar com a saudade dos bons tempos idos; trata-se, pelo contrário, de procurar o espírito positivo e tentar difundi-lo. Uma tentativa para sair do estado de coma.

Porque não apostar em figuras verdadeiramente positivas? Um Vasco da Gama, por exemplo, um Bartolomeu Dias, um Fernão de Magalhães. Pessoas que marcaram a história não só de Portugal.

Fácil? Não, claro que não. Há alguns tempos li um resumo dum estudo cujo fim era demonstrar que o fatalismo português nasceu ou foi reforçado com o terramoto de 1755.
Não faço a mínima ideia se isto pode ter sido possível ou não; parece-me um bocado estranho, mas não é este o ponto.
O facto é que esta amálgama de pessimismo-fatalismo-dramaticidade-queixosidade-medo é um traço reconhecido e não é coisa de hoje: a figura do velho do Restelo, presente já n’ Os Lusíadas, neste aspecto é bastante significativa.

Claro, também, que uma aposta deste tipo implicaria medidas de um certo porte, com a participação das classes dirigentes, pois estamos a falar, nada mais nada menos, que incidir no tecido da sociedade a um nível bastante profundo.

E os medias, neste ponto de vista, podem fazer muito, pois é reconhecida a influência de meios como a televisão, por exemplo, no grande público.

Existe uma colecção de livrinhos recém publicados, destinados às crianças, que tem como tema a vida dos reis de Portugal. Uma óptima iniciativa, mas demasiado isolada e pouco divulgada.

Em vez de uma “A Ferreirinha” (mas de onde saiu esta?), ou filmes sem imagens (sic!), começamos com uma produção sobre estes personagens. Chauvinista? Anacrónico? Patético? Estilo “Estado Novo”? Pode ser.
Mas a França não se envergonhou ao apresentar uma série de episódios inerentes à vida de Napoleão (produção da Televisão Francesa, transmitida pela mesma RTP há uns três anos).
A Itália não foi acusada de revivalismo quando há uns dois anos realizou um filme sobre Garibaldi (produção da Televisão Italiana).

E em Portugal? Além da já citada Ferreirinha temos “Pedro e Inês” e “O processo dos Távoras”: histórias tristes, com finais tristes, transmitidos para um público triste…

O nacionalismo pode ser um factor de crescimento se aplicado na medida certa (isso é, se não ultrapassa os confins da xenofobia e dos problemas a esta relacionados); pode ser um estímulo para uma maior consciência cívica. Há países que chegam a inventar um sentimento patriótico, como acontece nos E.U.A., com uma história muito mais breve que Portugal.

Nacionalismo não é pendurar a bandeira na janela quando joga a selecção; para mim o sentido é mais profundo e implica o amor pelo próprio País. O mesmo sentimento que não consigo observar em Portugal.

Não acho que os problemas deste País possam ser resolvidos recorrendo ao amor pela Pátria. O assunto é infinitamente mais complexo. Mas um jeitinho ajudaria. Pelo menos daria para não ficar à espera dum próximo D. Sebastião.

quinta-feira, junho 15, 2006

Um estrangeiro em Portugal: on the road


Um dos dons que os Portugueses não reconhecem a si mesmos é o da orientação: se a sinalização rodoviária ao estilo lusitano fosse utilizada em qualquer outro país europeu seria preciso organizar equipas de socorro só para recuperar automobilistas perdidos.
Em Portugal isto não acontece pois os condutores convivem com sinais absurdos e nada acontece. Alguém já leu uma notícia do tipo: ”Homem perdido no Alentejo reaparece depois dois dias em Alverca?”. A resposta é não e esta é a prova que os Portugueses têm algo especial.

Para um estrangeiro é difícil perceber o sentido dos sinais; é precisa paciência, espírito de observação e um mapa (este último pelo menos ao longo dos primeiros três ou quatro anos). Só depois de algumas dezenas de milhares de quilómetros é que se pode começar a ver uma luz ao fundo do túnel: é nesta altura que conseguimos uma visão geral, apanhar a filosofia. O que não impedirá de nos continuarmos a perder.

O caso típico pode ser o seguinte. Encontramo-nos numa estrada no meio dos campos, nem percebemos como raio é que conseguimos ir lá ter; a única coisa que podemos distinguir é o a posição do Norte e do Sul, isso só porque o sol está às nossas costas (se o dia é de chuva até os pontos cardeais faltam). Afinal avistamos um cruzamento: a salvação. Pois é notório que em presença duma bifurcação existem sinais.
Eis dois casos:
1.chegamos ao cruzamento e descobrimos que o sinal outra coisa não é senão a publicidade do restaurante “Zé o Papa Cozinha Alentejana”.
2.chegamos ao cruzamento e conseguimos ler aquelas que efectivamente são duas indicações rodoviárias: uma diz “Pernacha de Cima”, a outra “Pernacha de Baixo”.

Dado que a nossa meta é o Porto resulta evidente a inutilidade destas indicações.
A única coisa que podemos fazer é optar empiricamente por uma das duas direcções e prosseguir até encontrar uma pessoa. Esta, depois de ter obrigado “Nino” (um ser peludo e malcheiroso que o homem obstina-se a chamar “cão”) a retirar o nariz da janela da nossa viatura, explicará que sim, efectivamente a direcção era a outra, mas que é também possível apanhar a Nacional seguindo por aqui, até ao cemitério, depois é só voltar na primeira à direita e quando chegamos em frente da igreja é só virar as costas ao matadouro e apanhar a terceira à esquerda. Depois é só ir em frente para uns 42 quilómetros.

Porque a filosofia é a seguinte: o sinal tem que indicar qual o destino mais próximo, não o mais longe. Parece que alguém está a dizer-nos: ”Mas porque tens que ir até ao Porto? Não vês que fica assim longe? E pá, tanta estrada…fica aqui, olha quantas coisinhas jeitosas estão à tua volta, fica por aqui…”

O problema surge quando esta teoria é levada ao extremo, o que acontece com frequência nas estradas portuguesas.

Outro caso.

Saindo de uma vila apanhamos uma estrada no princípio da qual existe o sinal “Porto”. Continuamos confiantes para algumas dezenas de km quando nos apercebemos que o topónimo da nossa destinação desapareceu das indicações. Ao que parece esta é a estrada que leva para Mesão Frio; de vez em quando aparece “Amarente” também, mas Porto não. Começam as dúvidas: onde errámos? Com certeza enganámo-nos em qualquer cruzamento, se calhar foi quando estávamos a sintonizar o auto-rádio…única solução: parar e perguntar. Desta vez não fomos suficientemente rápidos e não conseguimos evitar uma lambidela do Nino; mas o homem assegura-nos: sim, claro, esta é mesmo a estrada que leva ao Porto. Ainda poucos km e podemos apanhar o IP2 (“IP”? O que é isso?) et voilá, Porto fica mesmo pertinho.

Este último exemplo mostra outra característica dos sinais em Portugal. A ideia parece ser a seguinte: ”Nós mostramos a direcção no princípio do caminho, tu não te preocupes, vais sempre em frente: quando chega a hora de voltar vais encontrar outro sinal. Se não acreditas o problema é teu”.

Por vezes o automobilista estrangeiro sente-se como um atrasado mental. É o caso dos sinais “enigmáticos”, aqueles que contêm só uma sigla. Imagine o que pode ser para um estrangeiro aproximar-se a Lisboa e ver o sinal “CRIL”: nem no mapa aparece esta designação. O teu carro devora os quilómetros enquanto tu estás a torturar-te: o que será esta CRIL? Para onde levará? Se calhar é uma coisa importante, tem que ser, até está sinalizada…e à medida que o carro avança outras siglas aparecem: IP, IC, Eixo N-S, Segunda Circular (onde está a Primeira?)…até que percebes: a culpa é tua, não há outra hipótese. Os outros percebem, tu não. Tens algumas limitações, esta é a verdade.

Com o tempo chega-se a perceber que é só uma questão de hábito.

Mas há situações nas quais uma revisão, se calhar limitada, seria precisa. É o caso das indicações turísticas, isso é, aquelas que supostamente deveriam ser as mais utilizadas por estrangeiros.

Há alguns tempos decidi visitar uma anta em pleno Alentejo: com o fiel mapa dirigi-me até à estrada que conduzia à meta. Até encontrei o sinal: “Antas”. Sigo, cerca de uns quatro ou cinco quilómetros, até encontrar outro sinal igual: só que está a indicar-me a direcção oposta, na mesma estrada. Conclusão: falhei um cruzamento (auto-rádio?). Inversão, velocidade muito contida até chegar ao ponto de partida: não há cruzamento nenhum.

“E pá, sou mesmo burro!”. Outra inversão, volto a repetir tudo. Nada. À esquerda e à direita só campos de milho, nem uma casa, só qualquer árvore. Desisto? Nem por isso, agora é uma questão de princípio. Inversão, velocidade na casa dos 20 km/h. E consigo ver o sinal: está deitado no campo, parece indicar o chão. Será uma micro-anta?
Olho com mais atenção e consigo distinguir dois rastos que partem da estrada: é, supostamente, o caminho para a anta. Com algum medo aventuro-me pelo caminho, o receio é de desaparecer para sempre num dos buracos que forram o chão, mas afinal consigo atingir a desejada anta. É uma emoção para mim poder tocar com mão pedras que foram utilizadas há milhares de anos para outros homens; para não falar da surpresa no constatar que já naquela altura bebiam garrafas de Sagres e utilizavam sacos do Minipreço para as compras!

Mas esta é toda outra historia…

terça-feira, junho 13, 2006

Portugal nuclear


Como afirmado num antecedente post, Portugal é um país que importa muita energia e este factor influencia de forma directa ou indirecta as escolhas politicas e económicas. A solução ideal seria tornar Portugal autónomo, isso é, produtor de toda a energia da qual precisa; mas esta é uma utopia, pelo menos a curto e médio prazo. O caminho que pode realisticamente ser percorrido é a diminuição das importações. Como obter este resultado?

Começamos pelos dados. Cerca de 60% da energia que consumimos provém do petróleo (58%, fonte: Direcção Geral de Geologia e Energia, Ano 2005); a seguir (20%) a electricidade; na casa dos 7% o gás natural, 1% o carvão, 14% outras fontes (eólica, por exemplo).

Perante estas percentuais é lógico que nos últimos tempos tenha surgido a hipótese ligada ao nuclear e o semanal “DiaD”, na edição de 12 de Junho, tenta fazer um balanço entre prós e contras, com uma interessante entrevista a Patrick Monteiro de Barros (o mesmo da refinaria em Sines). Se as opiniões deste último não são particularmente relevantes (afinal ele seria directamente envolvido num futuro investimento ligado a uma nova central), o problema de fundo fica: é viável o nuclear em Portugal?

A escolha não é fácil: de um lado existem dúvidas inerentes à rentabilidade desta opção. No outro teremos que enfrentar a oposição de uma larga fatia da população.

A questão do meio ambiente é, de facto, o cavalo de batalha das associações ambientalistas que, cada vez que se fala em nuclear, ressuscitam o fantasma de Chernobyl.

É uma política populista e enganadora, pois seria mais correcto fornecer aos cidadãos dados verdadeiros: os reactores de Chernobyl, assim como o de Three Mile Island (EUA), foram construídos com a tecnologia dos anos ’60/´70 e se consultamos o calendário podemos descobrir que estamos a viver no ano 2006: isso significa que uma eventual nova central seria mais segura (embora nunca “totalmente” segura), pois desfrutaria os novos conhecimentos adquiridos. A Finlândia, por exemplo, aprovou há pouco a implementação de uma nova unidade nuclear, com um reactor de tipo EPR de última geração: alguém pode pôr em causa o profundo sentido ecologista dos finlandeses?

E sempre no que diz a respeito à segurança: é verdade que Portugal não tem centrais nucleares; mas Espanha tem. Acham que um eventual acidente no país vizinho não afectaria a terra Lusa? No acidente de Chernobyl a contaminação do solo com Césio 137 foi relevada em zonas postas a 1.000 km de distância do reactor (fonte: National Geographic Abril de 2006). Agora peguem num mapa da Península Ibérica e façam duas contas. Que vamos fazer? Obrigamos os espanhóis a encerrar as suas centrais?

E como querem resolver estes “amigos da terra” o problema do aumento do consumo de energia que pode vir a duplicar nos próximos 25 anos? Com as aplicações eólicas? Com a biomassa? Com o solar? Pena que a produção de um kw/h de energia com estes meios comporta a libertação na atmosfera de carbono em medida constantemente superior ao nuclear. Mas isto dificilmente é explicado…

Mas a escolha nuclear tem o seu calcanhar de Aquiles também e o seu nome é “custo”.
Quanto custa uma central nuclear? A construção do reactor em si não seria um desafio impossível em termos monetários: os problemas são ligados aos resíduos, a actualização da rede eléctrica (que, actualmente, não poderia suportar uma produção de 1.600 MW) e ao desmantelamento da mesma central no final do ciclo de vida.

Segundo Patrick Monteiro de Barros o investimento total seria de 3,5 mil milhões de euros, incluindo a desmontagem final. São cálculos bastante optimistas, pois ninguém pode calcular ao certo os custos da dita desmontagem (uma verdadeira incógnita), só para fazer um exemplo.
E os resíduos? As soluções encontradas até hoje não são das melhores: usualmente os resíduos são selados e enterrados em locais perto das centrais. Depois é só deixá-los ali para uns 25.000 anos e o jogo está feito.

Juntamos estes custos (alguns conhecidos, como visto, outros nem por isso) e vamos avaliar: o nuclear é rentável, mesmo com o petróleo perto dos 70 dólares por cada barril?

Se calhar a solução para uma energia nuclear viável passa pelas palavras de Luís Mira Amaral, ex-ministro da Industria e Energia (fonte: DiaD, 12 de Junho de 2006): “É muito cara e faz sentido haver uma cooperação ibérica”.

Um estrangeiro em Portugal: a troca de carta


Um dos desportos favoritos em Portugal consiste em falar mal da administração pública e dos serviços por ela prestados. Parece ser um velho vício, muito bem radicado e difícil de extirpar.

Não só não percebo o sentido desta atitude, como também desejo dissociar-me dela. E a melhor forma para fazê-lo é mesmo dar um exemplo de alta eficiência vivido em primeira pessoa.

No final do ano 2004 decidi trocar a minha carta de condução (originária portanto dum dos países da União Europeia) pela equivalente portuguesa. Como faltava ainda um ano para que o original caducasse, pensei ter todo o tempo do mundo: segundo os meus cálculos a nova carta deveria ter chegado muito antes da data limite.

Assim raciocinando juntei toda a documentação que foi entregue numa agência de práticas automobilísticas. E, passados que foram alguns meses, a nova carta chegou.

Como é dado ver, nem tudo funciona mal neste País e ainda há pessoas que operam com sentido de responsabilidade perante os seus deveres (e agradecemos a Deus por ter nos dado um Carvalho da Silva que protege estes verdadeiros heróis).

A coisa curiosa é que no meio deste processo quem se queixou não fui eu, mas a minha namorada que, não acaso, é portuguesa (e voltamos às observações do início).

Enquanto o meu processo deu entrada na Direcção Geral de Viação no dia 13 de Dezembro de 2004 e passados nove meses ainda não havia notícias da nova carta, a rapariga começou a protestar, dizendo que eu deveria fazer algo, pois caso contrário a minha carta empregaria anos para ver a luz. Assim, debaixo das suas insistências, resolvi enviar uma e-mail para a DGV, perguntando acerca de eventuais novidades.
No dia a seguir (vista a rapidez?) fui contactado telefonicamente e, depois das desculpas (notadas as boas maneiras?), foi-me explicado que em geral a conversão é uma operação simples e rápida (tal como por mim suposto), mas que no meu caso tinha surgido um problema: o sistema informático da DGV não aceitava o número do meu B.I., sendo este último estrangeiro. Portanto fui convidado a enviar outros documentos para a prática ir em frente.

A explicação satisfazia-me em pleno, pois acho normal que um sistema informático português não reconheça um B.I. estrangeiro, mesmo que seja da U.E.: afinal falam dois idiomas diferentes, até uma criança poderia entender esta simples realidade.

Quem não ficou satisfeita foi, obviamente, a minha namorada que se queixou do facto que ao longo de 9 meses ninguém na DGV teve o bom senso de avisar-me do problema. Tentei conduzi-la à razão: acham que o trabalho da DGV é só converter cartas de condução? Fazem ideia da quantia de tarefas levada a cabo diariamente nesta instituição?

Tive sorte, pois o dia a seguir chegou uma inesperada confirmação das minhas palavras.
Tendo eu enviado os novos documentos via e-mail (com o endereço fornecido pela funcionária, obviamente), recebi um correio electrónico com o qual a DGV estava a perguntar-me quem fosse o destinatário dos ditos documentos.
Assim até a minha namorada se convenceu do facto que, realmente, na DGV há muito trabalho e que a melhor coisa consiste em não importuná-los para não criar confusão.
Mas, se conhecem as mulheres, sabem que a maioria delas é teimosa, muito mais do que os homens.

Por isso, depois de outros dois meses e enquanto o subscrito ficava à espera com inalterada confiança, voltou à carga: onde estava a minha carta de condução? Porque eu não fazia nada?

Para não quebrar a harmonia familiar, e só por isso, pensei em contactar alguém. Não a DGV, pois nunca a minha confiança nela foi abalada e sempre pensei que a melhor coisa fosse deixar as criaturas trabalhar em paz. Comuniquei o meu caso à Solvit, um departamento europeu que ajuda os cidadãos da União no relacionamento com as várias administrações públicas. Isso foi um erro crasso, admito-o. Pois a delegação Solvit de Lisboa é gerida por Portugueses! Quando ouviram o meu relato indignaram-se e começaram a torturar a DGV com cartas e telefonemas. Lá vamos outra vez: quando se trata de falar mal do sector público ninguém se subtrai.

O resultado foi que no dia 29 de Dezembro de 2005 a minha carta de condução foi imprimida e enviada a meio dos CTT.

Ora, acontece que quando uma pessoa erra tem que assumir as consequências. No meu caso nada posso apontar aos CTT, nem à DGV. O que se passou é que, ao preencher o modelo 1403, inseri um algarismo errado no Código Postal. O endereço estava certo: rua, número, localidade, distrito. Mas um algarismo não. E a carta voltou para a DGV no dia 18 de Janeiro de 2006.

Poderiam os CTT ter enviado a carta para a minha morada ignorando o algarismo? Afinal o endereço estava certo. A resposta é não. E, pessoalmente, concordo: o que é mais importante num envelope não é o endereço, mas o Código Postal. Quantas vezes já enviamos uma carta sem endereço, até sem destinatário, mas com o Código certo? E todas as vezes a carta chegou.
Poderia a DGV reenviar a carta com o Código certo depois de toda a documentação pedida? Quantas vezes aparecia o código certo nos outros documentos? A resposta é não também. O que conta não é o passaporte, nem o cartão de eleitor ou a certidão de residência: o que conta na vida é o modelo 1403. E se no modelo 1403 um algarismo está errado, bom, não há soluções possíveis.

Assim enviei um novo correio electrónico, especificando qual o verdadeiro Código Postal a ser utilizado e no dia 27 de Janeiro a carta deixou a DGV. Duas semanas depois o envelope acabou de percorrer a distância entre a delegação da DGV e a minha morada (36 km); no dia 11 de Fevereiro de 2006 abri a caixa do correio e encontrei a nova carta de condução.

Tudo funcionou segundo as previsões: a entrega dos documentos, a emissão da nova carta em menos de 14 meses depois. Se pensamos nisto com mente aberta e livre de preconceitos podemos considerar este como um prazo razoável.

Em verdade no novo documento o meu apelido contem um erro. Mas não, não vou cair na “cilada” portuguesa: não vou queixar-me!

quinta-feira, junho 08, 2006

Disparates

Ter uma mente simples comporta algumas vantagens. Uma delas é o facto de poder dizer (ou escrever, como neste caso) autênticos disparates sem que nenhuma pessoa fique ressentida, pois esta última pensará “coitadinho, afinal é mesmo um pobre desgraçado…”.

Hoje, por exemplo, encontrava-me no transporte público quando tive uma “iluminação”, isso é, um disparate como antecipado. Objecto do meu delírio era o subsídio de desemprego, um rio de dinheiro que mensalmente o Estado entrega às pessoas que não têm uma ocupação.

O postulado: o Estado somos nós, ergo, cada mês nós subsidiamos os desempregados, coisa boa e justa.
A observação: existem muitas tarefas para ser desenvolvidas, tipo limpeza das matas, das florestas, das praias ou serviços que poderiam ser prestados mas não são por falta de pessoal, coisa má e não justa.
O disparate: porque não utilizar os milhares de desempregados para levar a cabo algumas destas incumbências?

Dito por outras palavras, os desempregados, enquanto esperam por um emprego definitivo, poderiam coadjuvar o Estado no desenvolvimento de algumas tarefas que são precisas.

Isto levaria a uma série de vantagens, primeira das quais o facto de o desempregado não se sentir “inútil” ou objecto de esmola: o sem trabalho receberia uma quantia de dinheiro por prestar um serviço à comunidade toda.

Claro, seriam precisas algumas condições: o trabalho não poderia ser de 8 horas, pois os desempregados têm que ficar com o tempo suficiente para a procura de um emprego fixo. Podemos imaginar umas 3 ou 4 horas por dia?

A seguir: a participação nestes trabalhos não seria voluntária, mas obrigatória. Isso para que os que afirmam que o subsídio, em alguns casos, são uma autêntica sorte; com uma participação nos serviços de utilidade pública os desempregados poderiam demonstrar que não é a vontade de trabalhar que falta.

Enfim: o Estado poderia avaliar o desempenho dos desempregados no desenvolvimento das tarefas atribuídas, passar um atestado de frequência que confirme também a capacidade do sujeito em alcançar os objectivos prefixados, até contribuir na formação do pessoal com apropriados cursos ligados às tarefas desenvolvidas (estes cursos poderiam ser voluntários, sendo basicamente concebidos para as pessoas sem formação específica).

Conclusão: os desempregados poderiam sentir-se verdadeiramente úteis e não excluídos do mundo do trabalho, recuperando uma dignidade que demasiadas vezes fica para atrás. O Estado (isso é, todos nós) receberia uma ajuda substancial no desenvolvimento de tarefas que, em muitos casos, são fundamentais para o bem-estar público (p.e., a prevenção dos incêndios).

Como dito em princípio, um autêntico disparate.
Para boa sorte existem os sindicatos, sempre alerta na defesa dos interesses dos menos favorecidos.
Sem ter em conta outra questão: seria preciso arranjar um governo com a coragem suficiente para avançar com uma medida deste tamanho.
E isto é difícil de imaginar, até por uma mente simples.

quarta-feira, junho 07, 2006

Um estrangeiro em Portugal: a chegada


Alguém já imaginou como pode ser a chegada em Portugal dum estrangeiro? Qual as suas primeiras impressões?

Corria o ano 2002 e depois de ter atravessado a meseta espanhola deparei-me com a última localidade da terra do Goya: Badajoz. Pode parecer esquisito, mas o primeiro contacto com Portugal começou mesmo aqui.

Ao transitar em frente duma bomba de gasolina, com o depósito quase vazio, pensei: “Espanha é um país rico, Portugal muito menos, por isso vou abastecer depois da fronteira, onde a gasolina tem que ser mais barata. Eu é que não sou parvo!”.

Assim, feliz das capacidades do meu raciocínio, entrei em terra lusa e parei logo na primeira bomba encontrada. Como já o Euro era utilizado em toda a União, até uma mente simples como a minha reparou que algo não batia certo: a gasolina era mais cara! Voltar para trás? Não, o depósito não dava. Tanto faz, abastecemos.

Selecciono a quantia pretendida, insiro a mangueira e…nada. Onde é que estou a errar? Repito a operação, com cuidado, tentando decifrar o idioma indígena (pois outro não é previsto), mas não, nem uma gota do precioso líquido. Desconfortado, dirijo-me ao interior da estação onde encontro uma calma senhora alentejana que, com igual calma, explica o que se está a passar. Eu não falo português, ela fala só português e a conversa prossegue com alguma dificuldade; mas afinal entendo: falta a electricidade. “Esquisito”, penso eu, “não chove, é um lindo dia de sol, porque raio não há energia eléctrica?”. Enfim, perguntas parvas dum estrangeiro.

Não tenho alternativa a não ser esperar. 20 minutos. Poderia eu ter interpretado este facto como um sinal divino? Tipo “vade retro”? Sim, poderia…

Mas os meus conhecimentos acerca de Portugal eram limitados aos recebidos por meio da antena parabólica, isso é, os programas transmitidos pela RTP Internacional. E, entre os outros, destacava-se “Praça da alegria”, naquela altura conduzido por Manuel Goucha.

Agora, experimentem imaginar um programa do qual vocês não percebem uma palavra mas cheio de pessoas; simples, sim, mas sorridentes, serenas, empenhadas a cantar e a interessar-se dos problemas dos idosos (que apareciam em quantidade ao longo da transmissão). É ou não é um bom retrato?

Por isso, não prestei a devida atenção aos sinais celestes e decidi prosseguir, rumo a Lisboa.

Campos verdes (“que bom, a agricultura ainda é objecto de cuidado neste lugar!”), aldeias brancas (“e que respeito pelas tradições!”), uma auto-estrada com poucos carros, todos além dos limites de velocidade (“povo que não tem tempo para gastar este”), a ponte Vasco da Gama (“que obra! Um bocadinho cara a portagem, mas vale a pena…”); e finalmente a capital.

Em Lisboa um trânsito desgraçado, mas qual grande cidade europeia hoje não o tem? Graças as sinalização perdi-me no meio do Socorro, fiquei a espera que um camião descarregasse as bilhas de gás (“esquisito…não tem uma rede de gás natural?”), pedi ajuda a alguns indígenas nenhum dos quais falava inglês, voltei a perder-me até chegar ao pé da Feira da Ladra (outro sinal divino?), o que, claramente, não era o meu destino. Depois de ter encontrado a alma gémea (a verdadeira culpada pela minha mudança), uma pensão no centro: uma avenida comprida, cheia de vida e cores, Avenida Almirante Reis, junto do bairro do Intendente.

Uma cama, finalmente, o merecido descanso. Desligo a luz, adormeço. Por pouco: perto das duas da manhã um barulho na avenida. Levanto-me, abro a janela e espreito: não percebo bem aquilo que se passa. Tudo o que consigo ver é um homem, totalmente nu, no passeio da avenida.

Admito: foi a partir de ali que, num remoto canto do meu cérebro, um pequeno diabo começou a falar. Na altura era só uma voz longe, quase um sussurro. Com o tempo transformou-se num grito.

terça-feira, junho 06, 2006

O esquecimento

No jornal “Público” do dia 5 de Junho a Federação Nacional dos Professores decidiu exprimir a sua posição no que diz respeito à Ministra da Educação.

Um comunicado, assinado pelo Secretariado Nacional, para sublinhar as divergências com a equipa da Avenida 5 de Outubro.

É interessante notar que neste comunicado da Fenprof, 56 linhas numa meia página do jornal, termos como “estudantes”, “alunos” ou uns sinónimos deles não aparecem, nem uma só vez.

Curioso, não é?

Valium

Não se pode falar mal do futebol agora.

Para os adeptos seria uma verdadeira traição, pois as Quinas vão defender nada mais nada menos que a honra da Nação.

Para quem não gosta de futebol seria como disparar contra a Cruz Vermelha: demasiado fácil.

Pessoalmente gosto de futebol, até cheguei a escolher uma equipa portuguesa para a qual torcer; e, com certeza, irei assistir a muitos dos encontros do Mundial transmitidos pela televisão. Mas isso não significa automaticamente a hibernação da actividade cerebral. E por isso julgo que tudo aquilo que se está a passar atinge picos de idiotice abismal.

Hoje à noite a maioria dos telejornais dedicaram amplo espaço à chegada da Selecção à Alemanha. A pergunta é a seguinte: onde está a notícia? Dado que os Mundiais são disputados naquele país parece-me bastante normal o facto de lá ir.
A notícia, eventualmente, poderia ter sido a falta da chegada. Ou a viagem para outro lugar.

Sempre hoje, em directo, o treino dos nossos heróis. Note-se: não um jogo, mas mesmo o treino. E aqui já entro em confusão. Percebo (?) a identificação dos valores portugueses com os resultados da Selecção ao longo da próxima competição; percebo (?) que uma eventual vitória seria tão benéfica para o País; e percebo (desta vez sem dúvidas) o amor pelo jogo.

Mas não consigo entender qual o gozo em ver o vendedor de relógios treinar um rapaz ainda com as gotas de leite nos cantos da boca mas cujo dinheiro parece dar-lhe o direito de agredir os adversários em campo.

Que vamos fazer? Como definir esta capa de valium que está a cobrir Portugal? Ligamos para um sociólogo?

Não é preciso, pois a explicação está escrita em latim: “panem et circenses”. Com uma certa liberdade podemos traduzir com “barriga cheia e diversão”, uma óptima receita para que o povo não fique demasiado ocupado com os problemas reais do País. Os Romanos lá chegaram há 2.000 anos.

domingo, junho 04, 2006

Poupar para que?


Portugal é um dos países que mais dependem da importação do petróleo no âmbito da União Europeia; as consequências são evidentes, pois a economia é afectada por uma variável (o preço do crude) que não pode ser gerida pelos governos.

À espera que as energias renováveis cheguem a ser realidade e que expressividade delas seja significativa, seria importante encorajar os cidadãos para atitudes que ajudem o país a reduzir tal dependência, poupando assim na conta energética que cada ano o estado (isso é, nós) tem que gastar.

Uma iniciativa possível no âmbito da viação, sem grandes esforços e, sobretudo, sem recorrer a novos projectos pois a tecnologia para a aplicação já existe, seria a redução dos limites de velocidade; não dos limites previstos pela lei, mas das velocidades realmente atingidas pelos condutores portugueses pois é notório que os valores máximos admitidos não são respeitados. E isto é um facto bastante curioso tendo em conta o termo de “crise” que muitas vezes é utilizado pelo economistas para descrever não só a situação do país em geral mas também das famílias portuguesas.

Talvez seja oportuno apresentar alguns dados.

Pegamos num carro bastante difundido no país, um Volkswagen a gasolina, e fazemos as contas.

O carro em questão, o Polo ultima geração na versão de 1.2 12V (com motor de 1198 cm cúbicos e 64 CV) percorre 17,3 km por cada litro de gasolina a velocidade constante de 100 km/hora. Tendo em conta o depósito com capacidade de 45 litros, temos uma autonomia teórica de 778,5 km.
Com uma velocidade de 130 km/hora o consumo fica na casa dos 11,0 km/l, com uma autonomia reduzida a 495,0 km.
Mas já ultrapassando de 10 km/hora o limite máximo permitido em auto-estrada (isso é, viajando a 140 km/hora) o gasto é de 9,3 km por cada litro de gasolina, o que equivale a uma autonomia de 418,5 km.

Utilizamos estes valores (que são obtidos a velocidades constantes, em condições favoráveis que dificilmente encontramos mesmo numa auto-estrada) hipotizamos uma viagem entre Lisboa e Porto, equivalente a 312 km. O preço da gasolina é igual a 1,398 euro/litro (quotação Galp Super 98 do 29 de Maio de 2006).

Com uma velocidade constante de 100 km/hora serão precisos 18,03 litros de gasolina, com uma despesa de 25,20 euro.
Com uma velocidade de 130 km/hora a mesma distância será percorrida com 28,36 litros de combustível e uma despesa de 39,64 euros.
Viajando a 140 km/hora o carro passará a gastar bem 33,5 litros de gasolina e a despesa atingirá os 46,83 euros.

Resumindo: para chegar ao Porto 20 minutos mais cedo o nosso condutor gastará 5,14 litros de gasolina a mais com um acréscimo de despesa igual a 7,18 euros.

Se tomamos em conta a média de 100 km/hora a diferença é ainda mais substancial: neste último caso serão precisos mais 15,47 litros de combustível, o que se traduz num acréscimo de custo igual a 21,62 euros.

Como referido, os valores apresentados são teóricos e inerentes só aos custos do combustível. Para ser completa, a nossa análise deveria ter em conta outros factores, não último o reduzido número de acidentes que velocidades mais baixas comportariam: menos perdas de vidas humanas, menos custos do estado para a cura dos feridos.

Mas limitamo-nos só aos custos do combustível e multiplicamos os valores de despesas por todos os condutores que viajam não só entre a capital e Porto, mas também nas outras estradas e auto-estradas do país: quantos litros de gasolina (e gasóleo, claro) seria possível poupar num só dia? E se multiplicamos o produto por 365 dias, qual valor atingiria uma tal poupança?

Sobra um problema: “convencer” os condutores portugueses a levantar o pé do acelerador.

A via mais rápida seria a utilização de patrulhas da Brigada de Trânsito para a fiscalização das velocidades de cruzeiro e a eventual penalização em termos de multas.

Acho esta solução muito redutora por duas razões.
Porque as patrulhas da BT existem, sim, mas não em número suficiente para fiscalizar a totalidade do sistema rodoviário nacional.
E, ponto mais importante, porque limitando-se a multar o estado falharia na difusão duma consciência cívica que, a médio e longo prazo, renderia muito mais que não as verbas obtidas com coimas.

Assim como feito para os incêndios, porque não utilizar o meio da televisão para tentar sensibilizar os portugueses? Começamos a difundir a ideia segundo a qual viajar a 100 km/h, por exemplo, não é uma vergonha…

sexta-feira, junho 02, 2006

Portugal pequeno?

Há alguns tempos encontrei um pequeno livro, publicado durante o regime salazarista, que outra coisa não era se não uma exaltação incondicionada do país: entre as várias citações, uma era inerente às dimensões da terra lusitana. Segundo o autor, Portugal não era um país pequeno, pois havia outros países muito menores, tal como o Luxemburgo, por exemplo.

Agora, é verdade que existem estados de dimensões mais reduzidas, mas não é por isso que podemos descrever Portugal como um país “grande”; o facto que me fez sorrir foi o pegar em quem está em condições “piores” para reforçar a confiança portuguesa, além do realçar o tamanho dum estado como medida para avaliar a sua importância.

Pouco tempo depois fiquei surpreendido ao falar com um familiar (português) e ao ouvir dizer que, afinal, Portugal não é um pais pobre, pois existem países muitos mais pobres: por exemplo o Bangladesh.
Mas a surpresa transformou-se em espanto quando ouvi o mesmo raciocínio feito por um comentador da televisão num programa dum canal nacional.

Passaram as décadas, passou o 25 de Abril, mas o estilo ficou na mesma: em Portugal é preciso recorrer a quem está pior para poder afirmar que, afinal, “nós estamos melhores que muitos outros”.

A coisa triste é que estas pessoas parecem não entender que, na medida em que os anos passaram, o tempo mudou, e hoje em dia Portugal não pode ficar no seu cantinho olhando com comiseração para o Terceiro Mundo.

Quer gostem ou não, hoje existe uma coisa chamada “União Europeia”, a quem Portugal pertence. E são os países desta União que devem ser tomados como referências. Não podemos fazer a corrida olhando para trás, mas para a frente, tentando alcançar os melhores, mergulhando no Mercado Único, e não mantendo só alguém atrás de nós.

O risco é de ficar a ser o Bangladesh do Velho Continente.

quinta-feira, junho 01, 2006

A cuspidela

Em Portugal há quatro anos, já aprendi alguns dos costumes locais: comer bacalhau com natas, torcer Benfica, ultrapassar pela direita, etc. Mas existe algo que ainda me cria algumas dificuldades: a cuspidela.

Nos outros países europeus que tive ocasião de visitar é bastante raro ver uma pessoa cuspir no chão. E, mesmo assim, é feito de forma normal, sem jeito nenhum, acabando de ser um acto simplesmente de má-criação.

Em Portugal a cuspidela é algo diferente.
Em primeiro lugar, não existe distinção de idade ou de sexo; podemos afirmar que a cuspidela portuguesa é verdadeiramente um acontecimento que junta jovens e idosos, homens e mulheres, brancos e pretos. Uma cuspidela multiracial e interclassicista.

Mas a particularidade é bem outra.
Enquanto no resto da Europa as poucas pessoas que cospem tentam fazé-lo de forma menos visível, isso é, sem barulho e sem um mínimo de espectacularidade, em Portugal a cuspidela segue um ritual bem definido, ao qual ninguém se subtrai.

A prima fase é a “preparação”.
Ao que parece, para obter uma expulsão decente, é preciso que o indivíduo seja capaz de reunir por cima da garganta quanto mais muco possível. Para fazer isso, o cuspidor lusitano costuma pescar os resíduos directamente nos brônquios, de forma que o “projéctil” assuma uma bem determinada consistência. Penso que este facto seja fundamental para obter um cuspo com um caudal e uma trajectória ideal.
A fase da “preparação” é facilmente distinguível graças ao típico som, o mesmo que podemos ouvir nas ruas a qualquer hora do dia e em qualquer sítio: “aaaargghhhh”.

A segunda fase é a “elaboração”, tipo um tuning: a matéria está agora toda reunida na boca mas não chega, pois é preciso amalgamar o composto para obter o verdadeiro projéctil. Esta fase é silenciosa, demora poucos segundos, e precede a expulsão do cuspo. É bom dizer que o tempo da elaboração depende em boa medida do grau de destreza ou experiência do atirador: os indivíduos mais treinados podem reduzir a fase da elaboração a poucos décimos de segundos, passando directamente para a terceira fase. É claro, não é coisa que seja possível aprender de manhã à tarde: é precisa perseverança, uma boa predisposição e, se possível, um bom mestre. Em compensação, é possível treinar em qualquer lugar, desde que haja a presença de uma ou mais pessoas (condição imprescindível para que o cuspidor possa actuar).

E passamos à terceira fase: a expulsão.
Aqui não é possível vender gato por lebre: os profissionais destacam-se de imediato, pois o projéctil deles é rápido e, sobretudo, mirado. O cuspidor profissional sabe exactamente quando e para onde irá cair o seu cuspo, pois nada é deixado ao acaso: anos de treino permitem expelir a justa mistura de ar e muco (emitindo também o típico som: “puú”), com a velocidade requerida.
O principiante, pelo contrário, encontra aqui as suas maiores dificuldades e será bastante simples reconhecê-lo. Um som demasiadamente prolongado (sinal de uma mistura não optimizada), um projéctil que cai a poucos centímetros dos vossos pés, ou, nos casos mais penosos, um projéctil que não aguenta o contacto com a atmosfera e fragmenta-se com consequências embaraçosas: já tive ocasião de ver alguns destes inexperientes obrigados a limpar a própria roupa ou passar a mão nos lábios (nunca por nunca um profissional precisa de limpar a boca!).

Resumindo: em Portugal o simples acto de cuspir elevou-se ao máximo grau, o grau da arte.

Uma minha amiga, de visita na capital, perguntou-me: mas porque os portugueses cospem?

Custa-me admiti-lo, mas a verdade é que uma tal dúvida é sinónimo de profunda ignorância.

Porque Picasso pintava? Porque Vasco da Gama navegava? Não existem respostas, a arte é filha de si mesma. Tudo aquilo que podemos fazer é admirar, com humildade, os melhores e tentar, em medida menor, aperfeiçoar a nossa técnica à medida que os projécteis são expulsos. Quem sabe: pode ser que entre nós haja já um cuspidor a sério, um cuspidor à portuguesa. Um artista ainda desconhecido que um dia poderá exercer o seu dom na rua, causando a admiração dos transeuntes e dos turistas mais informados.
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