quinta-feira, junho 15, 2006

Um estrangeiro em Portugal: on the road


Um dos dons que os Portugueses não reconhecem a si mesmos é o da orientação: se a sinalização rodoviária ao estilo lusitano fosse utilizada em qualquer outro país europeu seria preciso organizar equipas de socorro só para recuperar automobilistas perdidos.
Em Portugal isto não acontece pois os condutores convivem com sinais absurdos e nada acontece. Alguém já leu uma notícia do tipo: ”Homem perdido no Alentejo reaparece depois dois dias em Alverca?”. A resposta é não e esta é a prova que os Portugueses têm algo especial.

Para um estrangeiro é difícil perceber o sentido dos sinais; é precisa paciência, espírito de observação e um mapa (este último pelo menos ao longo dos primeiros três ou quatro anos). Só depois de algumas dezenas de milhares de quilómetros é que se pode começar a ver uma luz ao fundo do túnel: é nesta altura que conseguimos uma visão geral, apanhar a filosofia. O que não impedirá de nos continuarmos a perder.

O caso típico pode ser o seguinte. Encontramo-nos numa estrada no meio dos campos, nem percebemos como raio é que conseguimos ir lá ter; a única coisa que podemos distinguir é o a posição do Norte e do Sul, isso só porque o sol está às nossas costas (se o dia é de chuva até os pontos cardeais faltam). Afinal avistamos um cruzamento: a salvação. Pois é notório que em presença duma bifurcação existem sinais.
Eis dois casos:
1.chegamos ao cruzamento e descobrimos que o sinal outra coisa não é senão a publicidade do restaurante “Zé o Papa Cozinha Alentejana”.
2.chegamos ao cruzamento e conseguimos ler aquelas que efectivamente são duas indicações rodoviárias: uma diz “Pernacha de Cima”, a outra “Pernacha de Baixo”.

Dado que a nossa meta é o Porto resulta evidente a inutilidade destas indicações.
A única coisa que podemos fazer é optar empiricamente por uma das duas direcções e prosseguir até encontrar uma pessoa. Esta, depois de ter obrigado “Nino” (um ser peludo e malcheiroso que o homem obstina-se a chamar “cão”) a retirar o nariz da janela da nossa viatura, explicará que sim, efectivamente a direcção era a outra, mas que é também possível apanhar a Nacional seguindo por aqui, até ao cemitério, depois é só voltar na primeira à direita e quando chegamos em frente da igreja é só virar as costas ao matadouro e apanhar a terceira à esquerda. Depois é só ir em frente para uns 42 quilómetros.

Porque a filosofia é a seguinte: o sinal tem que indicar qual o destino mais próximo, não o mais longe. Parece que alguém está a dizer-nos: ”Mas porque tens que ir até ao Porto? Não vês que fica assim longe? E pá, tanta estrada…fica aqui, olha quantas coisinhas jeitosas estão à tua volta, fica por aqui…”

O problema surge quando esta teoria é levada ao extremo, o que acontece com frequência nas estradas portuguesas.

Outro caso.

Saindo de uma vila apanhamos uma estrada no princípio da qual existe o sinal “Porto”. Continuamos confiantes para algumas dezenas de km quando nos apercebemos que o topónimo da nossa destinação desapareceu das indicações. Ao que parece esta é a estrada que leva para Mesão Frio; de vez em quando aparece “Amarente” também, mas Porto não. Começam as dúvidas: onde errámos? Com certeza enganámo-nos em qualquer cruzamento, se calhar foi quando estávamos a sintonizar o auto-rádio…única solução: parar e perguntar. Desta vez não fomos suficientemente rápidos e não conseguimos evitar uma lambidela do Nino; mas o homem assegura-nos: sim, claro, esta é mesmo a estrada que leva ao Porto. Ainda poucos km e podemos apanhar o IP2 (“IP”? O que é isso?) et voilá, Porto fica mesmo pertinho.

Este último exemplo mostra outra característica dos sinais em Portugal. A ideia parece ser a seguinte: ”Nós mostramos a direcção no princípio do caminho, tu não te preocupes, vais sempre em frente: quando chega a hora de voltar vais encontrar outro sinal. Se não acreditas o problema é teu”.

Por vezes o automobilista estrangeiro sente-se como um atrasado mental. É o caso dos sinais “enigmáticos”, aqueles que contêm só uma sigla. Imagine o que pode ser para um estrangeiro aproximar-se a Lisboa e ver o sinal “CRIL”: nem no mapa aparece esta designação. O teu carro devora os quilómetros enquanto tu estás a torturar-te: o que será esta CRIL? Para onde levará? Se calhar é uma coisa importante, tem que ser, até está sinalizada…e à medida que o carro avança outras siglas aparecem: IP, IC, Eixo N-S, Segunda Circular (onde está a Primeira?)…até que percebes: a culpa é tua, não há outra hipótese. Os outros percebem, tu não. Tens algumas limitações, esta é a verdade.

Com o tempo chega-se a perceber que é só uma questão de hábito.

Mas há situações nas quais uma revisão, se calhar limitada, seria precisa. É o caso das indicações turísticas, isso é, aquelas que supostamente deveriam ser as mais utilizadas por estrangeiros.

Há alguns tempos decidi visitar uma anta em pleno Alentejo: com o fiel mapa dirigi-me até à estrada que conduzia à meta. Até encontrei o sinal: “Antas”. Sigo, cerca de uns quatro ou cinco quilómetros, até encontrar outro sinal igual: só que está a indicar-me a direcção oposta, na mesma estrada. Conclusão: falhei um cruzamento (auto-rádio?). Inversão, velocidade muito contida até chegar ao ponto de partida: não há cruzamento nenhum.

“E pá, sou mesmo burro!”. Outra inversão, volto a repetir tudo. Nada. À esquerda e à direita só campos de milho, nem uma casa, só qualquer árvore. Desisto? Nem por isso, agora é uma questão de princípio. Inversão, velocidade na casa dos 20 km/h. E consigo ver o sinal: está deitado no campo, parece indicar o chão. Será uma micro-anta?
Olho com mais atenção e consigo distinguir dois rastos que partem da estrada: é, supostamente, o caminho para a anta. Com algum medo aventuro-me pelo caminho, o receio é de desaparecer para sempre num dos buracos que forram o chão, mas afinal consigo atingir a desejada anta. É uma emoção para mim poder tocar com mão pedras que foram utilizadas há milhares de anos para outros homens; para não falar da surpresa no constatar que já naquela altura bebiam garrafas de Sagres e utilizavam sacos do Minipreço para as compras!

Mas esta é toda outra historia…
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