quarta-feira, junho 07, 2006

Um estrangeiro em Portugal: a chegada


Alguém já imaginou como pode ser a chegada em Portugal dum estrangeiro? Qual as suas primeiras impressões?

Corria o ano 2002 e depois de ter atravessado a meseta espanhola deparei-me com a última localidade da terra do Goya: Badajoz. Pode parecer esquisito, mas o primeiro contacto com Portugal começou mesmo aqui.

Ao transitar em frente duma bomba de gasolina, com o depósito quase vazio, pensei: “Espanha é um país rico, Portugal muito menos, por isso vou abastecer depois da fronteira, onde a gasolina tem que ser mais barata. Eu é que não sou parvo!”.

Assim, feliz das capacidades do meu raciocínio, entrei em terra lusa e parei logo na primeira bomba encontrada. Como já o Euro era utilizado em toda a União, até uma mente simples como a minha reparou que algo não batia certo: a gasolina era mais cara! Voltar para trás? Não, o depósito não dava. Tanto faz, abastecemos.

Selecciono a quantia pretendida, insiro a mangueira e…nada. Onde é que estou a errar? Repito a operação, com cuidado, tentando decifrar o idioma indígena (pois outro não é previsto), mas não, nem uma gota do precioso líquido. Desconfortado, dirijo-me ao interior da estação onde encontro uma calma senhora alentejana que, com igual calma, explica o que se está a passar. Eu não falo português, ela fala só português e a conversa prossegue com alguma dificuldade; mas afinal entendo: falta a electricidade. “Esquisito”, penso eu, “não chove, é um lindo dia de sol, porque raio não há energia eléctrica?”. Enfim, perguntas parvas dum estrangeiro.

Não tenho alternativa a não ser esperar. 20 minutos. Poderia eu ter interpretado este facto como um sinal divino? Tipo “vade retro”? Sim, poderia…

Mas os meus conhecimentos acerca de Portugal eram limitados aos recebidos por meio da antena parabólica, isso é, os programas transmitidos pela RTP Internacional. E, entre os outros, destacava-se “Praça da alegria”, naquela altura conduzido por Manuel Goucha.

Agora, experimentem imaginar um programa do qual vocês não percebem uma palavra mas cheio de pessoas; simples, sim, mas sorridentes, serenas, empenhadas a cantar e a interessar-se dos problemas dos idosos (que apareciam em quantidade ao longo da transmissão). É ou não é um bom retrato?

Por isso, não prestei a devida atenção aos sinais celestes e decidi prosseguir, rumo a Lisboa.

Campos verdes (“que bom, a agricultura ainda é objecto de cuidado neste lugar!”), aldeias brancas (“e que respeito pelas tradições!”), uma auto-estrada com poucos carros, todos além dos limites de velocidade (“povo que não tem tempo para gastar este”), a ponte Vasco da Gama (“que obra! Um bocadinho cara a portagem, mas vale a pena…”); e finalmente a capital.

Em Lisboa um trânsito desgraçado, mas qual grande cidade europeia hoje não o tem? Graças as sinalização perdi-me no meio do Socorro, fiquei a espera que um camião descarregasse as bilhas de gás (“esquisito…não tem uma rede de gás natural?”), pedi ajuda a alguns indígenas nenhum dos quais falava inglês, voltei a perder-me até chegar ao pé da Feira da Ladra (outro sinal divino?), o que, claramente, não era o meu destino. Depois de ter encontrado a alma gémea (a verdadeira culpada pela minha mudança), uma pensão no centro: uma avenida comprida, cheia de vida e cores, Avenida Almirante Reis, junto do bairro do Intendente.

Uma cama, finalmente, o merecido descanso. Desligo a luz, adormeço. Por pouco: perto das duas da manhã um barulho na avenida. Levanto-me, abro a janela e espreito: não percebo bem aquilo que se passa. Tudo o que consigo ver é um homem, totalmente nu, no passeio da avenida.

Admito: foi a partir de ali que, num remoto canto do meu cérebro, um pequeno diabo começou a falar. Na altura era só uma voz longe, quase um sussurro. Com o tempo transformou-se num grito.
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