terça-feira, junho 13, 2006

Um estrangeiro em Portugal: a troca de carta


Um dos desportos favoritos em Portugal consiste em falar mal da administração pública e dos serviços por ela prestados. Parece ser um velho vício, muito bem radicado e difícil de extirpar.

Não só não percebo o sentido desta atitude, como também desejo dissociar-me dela. E a melhor forma para fazê-lo é mesmo dar um exemplo de alta eficiência vivido em primeira pessoa.

No final do ano 2004 decidi trocar a minha carta de condução (originária portanto dum dos países da União Europeia) pela equivalente portuguesa. Como faltava ainda um ano para que o original caducasse, pensei ter todo o tempo do mundo: segundo os meus cálculos a nova carta deveria ter chegado muito antes da data limite.

Assim raciocinando juntei toda a documentação que foi entregue numa agência de práticas automobilísticas. E, passados que foram alguns meses, a nova carta chegou.

Como é dado ver, nem tudo funciona mal neste País e ainda há pessoas que operam com sentido de responsabilidade perante os seus deveres (e agradecemos a Deus por ter nos dado um Carvalho da Silva que protege estes verdadeiros heróis).

A coisa curiosa é que no meio deste processo quem se queixou não fui eu, mas a minha namorada que, não acaso, é portuguesa (e voltamos às observações do início).

Enquanto o meu processo deu entrada na Direcção Geral de Viação no dia 13 de Dezembro de 2004 e passados nove meses ainda não havia notícias da nova carta, a rapariga começou a protestar, dizendo que eu deveria fazer algo, pois caso contrário a minha carta empregaria anos para ver a luz. Assim, debaixo das suas insistências, resolvi enviar uma e-mail para a DGV, perguntando acerca de eventuais novidades.
No dia a seguir (vista a rapidez?) fui contactado telefonicamente e, depois das desculpas (notadas as boas maneiras?), foi-me explicado que em geral a conversão é uma operação simples e rápida (tal como por mim suposto), mas que no meu caso tinha surgido um problema: o sistema informático da DGV não aceitava o número do meu B.I., sendo este último estrangeiro. Portanto fui convidado a enviar outros documentos para a prática ir em frente.

A explicação satisfazia-me em pleno, pois acho normal que um sistema informático português não reconheça um B.I. estrangeiro, mesmo que seja da U.E.: afinal falam dois idiomas diferentes, até uma criança poderia entender esta simples realidade.

Quem não ficou satisfeita foi, obviamente, a minha namorada que se queixou do facto que ao longo de 9 meses ninguém na DGV teve o bom senso de avisar-me do problema. Tentei conduzi-la à razão: acham que o trabalho da DGV é só converter cartas de condução? Fazem ideia da quantia de tarefas levada a cabo diariamente nesta instituição?

Tive sorte, pois o dia a seguir chegou uma inesperada confirmação das minhas palavras.
Tendo eu enviado os novos documentos via e-mail (com o endereço fornecido pela funcionária, obviamente), recebi um correio electrónico com o qual a DGV estava a perguntar-me quem fosse o destinatário dos ditos documentos.
Assim até a minha namorada se convenceu do facto que, realmente, na DGV há muito trabalho e que a melhor coisa consiste em não importuná-los para não criar confusão.
Mas, se conhecem as mulheres, sabem que a maioria delas é teimosa, muito mais do que os homens.

Por isso, depois de outros dois meses e enquanto o subscrito ficava à espera com inalterada confiança, voltou à carga: onde estava a minha carta de condução? Porque eu não fazia nada?

Para não quebrar a harmonia familiar, e só por isso, pensei em contactar alguém. Não a DGV, pois nunca a minha confiança nela foi abalada e sempre pensei que a melhor coisa fosse deixar as criaturas trabalhar em paz. Comuniquei o meu caso à Solvit, um departamento europeu que ajuda os cidadãos da União no relacionamento com as várias administrações públicas. Isso foi um erro crasso, admito-o. Pois a delegação Solvit de Lisboa é gerida por Portugueses! Quando ouviram o meu relato indignaram-se e começaram a torturar a DGV com cartas e telefonemas. Lá vamos outra vez: quando se trata de falar mal do sector público ninguém se subtrai.

O resultado foi que no dia 29 de Dezembro de 2005 a minha carta de condução foi imprimida e enviada a meio dos CTT.

Ora, acontece que quando uma pessoa erra tem que assumir as consequências. No meu caso nada posso apontar aos CTT, nem à DGV. O que se passou é que, ao preencher o modelo 1403, inseri um algarismo errado no Código Postal. O endereço estava certo: rua, número, localidade, distrito. Mas um algarismo não. E a carta voltou para a DGV no dia 18 de Janeiro de 2006.

Poderiam os CTT ter enviado a carta para a minha morada ignorando o algarismo? Afinal o endereço estava certo. A resposta é não. E, pessoalmente, concordo: o que é mais importante num envelope não é o endereço, mas o Código Postal. Quantas vezes já enviamos uma carta sem endereço, até sem destinatário, mas com o Código certo? E todas as vezes a carta chegou.
Poderia a DGV reenviar a carta com o Código certo depois de toda a documentação pedida? Quantas vezes aparecia o código certo nos outros documentos? A resposta é não também. O que conta não é o passaporte, nem o cartão de eleitor ou a certidão de residência: o que conta na vida é o modelo 1403. E se no modelo 1403 um algarismo está errado, bom, não há soluções possíveis.

Assim enviei um novo correio electrónico, especificando qual o verdadeiro Código Postal a ser utilizado e no dia 27 de Janeiro a carta deixou a DGV. Duas semanas depois o envelope acabou de percorrer a distância entre a delegação da DGV e a minha morada (36 km); no dia 11 de Fevereiro de 2006 abri a caixa do correio e encontrei a nova carta de condução.

Tudo funcionou segundo as previsões: a entrega dos documentos, a emissão da nova carta em menos de 14 meses depois. Se pensamos nisto com mente aberta e livre de preconceitos podemos considerar este como um prazo razoável.

Em verdade no novo documento o meu apelido contem um erro. Mas não, não vou cair na “cilada” portuguesa: não vou queixar-me!
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