segunda-feira, junho 19, 2006

A longa espera


A semana passada ocorreu o quarto aniversário da minha chegada em Portugal ou, como costumo dizer, do início do exílio…

Logo após a minha chegada comecei a ouvi falar de “sebastianismo”; não fazendo a mínima ideia do que isso pudesse significar, decidi informar-me.
Descobri que o termo é inerente a uma personagem histórica, Dom Sebastião, rei de Portugal desde 16 de Junho de 1557 até 4 de Agosto de 1578.

Esta figura é assim radicada na alma lusitana que, tal como dito, até foi inventado um termo que muitos comentadores desempoam ao aproximar-se de novas eleições.

Não só: na véspera das últimas presidenciais, uma minha conhecida apelou ao Cavaco Silva como ao novo D. Sebastião. Porque de facto é assim: os portugueses parecem estar ainda a espera dum novo “Desejado”.

O facto que este fosse uma pessoa doente, tanto no físico como no cérebro, discreto administrador do reinado mas nada mais, que contraiu dívidas enormes para conduzir a creme do exército numa catastrófica derrota, bom, tudo isso não conta: um dia D. Sebastião surgirá das brumas, reclamará o seu trono e…bah, espero que não volte com estranhas ideias acerca do Norte África.

Acho que, neste aspecto, Portugal é um País único: pelo menos, não conheço nenhum povo cujo herói seja o culpado pela pior derrota sofrida ao longo da própria história, facto tão grave que até abriu as portas à ocupação estrangeira.

Pode-se objectar que D. Sebastião nunca foi escolhido oficialmente como figura para representar o País (a propósito: quem é o herói nacional? Figo? O galo de Barcelos?). O que é verdade; mas, como visto, foi aos menos o único que mereceu o nascimento de uma “filosofia” a ele relacionada. O que não deixa de ser esquisito.

Numa altura na qual o País parece ser abalado pela situação económica como pela profunda vala que separa os quadros políticos dos cidadãos, acho que não seria mal recuperar algumas das muitas coisas boas que a história portuguesa oferece.

Não é um viver do passado, nem chorar com a saudade dos bons tempos idos; trata-se, pelo contrário, de procurar o espírito positivo e tentar difundi-lo. Uma tentativa para sair do estado de coma.

Porque não apostar em figuras verdadeiramente positivas? Um Vasco da Gama, por exemplo, um Bartolomeu Dias, um Fernão de Magalhães. Pessoas que marcaram a história não só de Portugal.

Fácil? Não, claro que não. Há alguns tempos li um resumo dum estudo cujo fim era demonstrar que o fatalismo português nasceu ou foi reforçado com o terramoto de 1755.
Não faço a mínima ideia se isto pode ter sido possível ou não; parece-me um bocado estranho, mas não é este o ponto.
O facto é que esta amálgama de pessimismo-fatalismo-dramaticidade-queixosidade-medo é um traço reconhecido e não é coisa de hoje: a figura do velho do Restelo, presente já n’ Os Lusíadas, neste aspecto é bastante significativa.

Claro, também, que uma aposta deste tipo implicaria medidas de um certo porte, com a participação das classes dirigentes, pois estamos a falar, nada mais nada menos, que incidir no tecido da sociedade a um nível bastante profundo.

E os medias, neste ponto de vista, podem fazer muito, pois é reconhecida a influência de meios como a televisão, por exemplo, no grande público.

Existe uma colecção de livrinhos recém publicados, destinados às crianças, que tem como tema a vida dos reis de Portugal. Uma óptima iniciativa, mas demasiado isolada e pouco divulgada.

Em vez de uma “A Ferreirinha” (mas de onde saiu esta?), ou filmes sem imagens (sic!), começamos com uma produção sobre estes personagens. Chauvinista? Anacrónico? Patético? Estilo “Estado Novo”? Pode ser.
Mas a França não se envergonhou ao apresentar uma série de episódios inerentes à vida de Napoleão (produção da Televisão Francesa, transmitida pela mesma RTP há uns três anos).
A Itália não foi acusada de revivalismo quando há uns dois anos realizou um filme sobre Garibaldi (produção da Televisão Italiana).

E em Portugal? Além da já citada Ferreirinha temos “Pedro e Inês” e “O processo dos Távoras”: histórias tristes, com finais tristes, transmitidos para um público triste…

O nacionalismo pode ser um factor de crescimento se aplicado na medida certa (isso é, se não ultrapassa os confins da xenofobia e dos problemas a esta relacionados); pode ser um estímulo para uma maior consciência cívica. Há países que chegam a inventar um sentimento patriótico, como acontece nos E.U.A., com uma história muito mais breve que Portugal.

Nacionalismo não é pendurar a bandeira na janela quando joga a selecção; para mim o sentido é mais profundo e implica o amor pelo próprio País. O mesmo sentimento que não consigo observar em Portugal.

Não acho que os problemas deste País possam ser resolvidos recorrendo ao amor pela Pátria. O assunto é infinitamente mais complexo. Mas um jeitinho ajudaria. Pelo menos daria para não ficar à espera dum próximo D. Sebastião.
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